quinta-feira, 15 de novembro de 2007

MUTAÇÃO

Mutação

Neste dia que passou
Quanta coisa eu esqueci.
Nada sei, pouco restou,
E sem ter-me agora sou
Tudo aquilo que perdi.

Nada importa, já nem sei,
O que fui e o que mudou
Pois sem ser não saberei
Quanto eu era e o que serei
Deste eu que lá ficou.

E tudo rima sem saber
Quanto dói o ser assim...
E que faz na métrica haver
Tanta dor em escrever
Este verso que há em mim.

Marcus Di Philippi

O BOM APRENDIZ

O Bom Aprendiz

Olha! Se um dia á beira do caminho,
A tristeza encontrares onde segues...
E se tudo te ferir como um espinho
Rogo-te que voltes a seguir sozinho,
E como começou, não a carregues.

E se ainda nos desvios da jornada,
O sentido e o princípio esqueceres...
Lembra-te somente desta estrada
Pois ela é tua, e só fora encomendada,
Na iminência de um dia te perderes.

Cuidas então que ela será teu guia,
Abrace-a com a doçura de teus pés...
Se ouvires o que ela diz com alegria
Haverás de perceber, então, um dia,
Foi ela quem formou o que tu és.

Marcus Di Philippi

ORVALHO

Orvalho

Era uma noite sem véu
Era um céu sem estrelas,
Você tirou meu chapéu,
E pondo estrelas no céu,
Pediu-me pra acendê-las.

Era uma tarde tão fria
Era um sol apagado...
Tristezas e nostalgia
Histórias de fim de dia
E teu chapéu estrelado.

Era um vento zunindo
Nos teus cabelos de lã...
Era o sol se repetindo,
No orvalho doce caindo
As lágrimas da manhã.

Marcus Di Philippi

...NOITE IDA

...noite ida

Esta noite deixou-me
Só um sonho, apenas,
Um sonho sem nome
E de coisas pequenas

Entretanto ele tinha
Um segredo a mais
E a noite sozinha
Sonhou-nos iguais.

E se tudo não fosse
Esse sonho nem sei
A noite só o trouxe
Porque eu acordei.

Marcus Di Philippi

A BUSCA

A Busca

Ouço!... E no sentido
Daquilo que eu sou
Há um algo perdido,
Como som esquecido,
Que ninguém cantou.

E porque se perdeu
Este canto que ouvi?
Se ele sempre foi eu
E ninguém esqueceu
Como foi que perdi?

E se o soube jamais
Como posso lembrar...
Um navio sem cais,
De ouvir-me demais,
Não me pude cantar

Marcus Di Philippi

EXISTENCIALISMO BANAL

Existencialismo Banal

Algo em mim dói, apenas dói
Não sei o quê apenas sinto
Tão infinito, flui, corrói
e lentamente mata, destroi
A sentinela em meu instinto.

É algo que dói assim somente
Não por doer ou existir...
Mas toda dor é ser ausente
Estar em todo o não presente
Jamais ficar, nunca partir.

Algo me dói, ai como cansa
A repetição desse doer...
E nenhum tino de eesperança
FAz essa dor tornar-se mansa
Para quem sabe me esquecer.

Marcus Di Philippi

NATHALIA

Nathalia

Faz um verso colorido,
Pra dizer o que tu és...
- Vou dizer no teu ouvido
num batuque, num batido
Uma dança nos teus pés.

Faz um verso assanhado,
Pra que eu saiba de você...
- Mas é verso ou é pecado,
O batuque batucado,
Que de mim queres saber?

Faz um verso comovente
E pra mim diga depois...
- O amor a gente sente,
tanto faz não ser a gente
Mas que seja só nos dois

Marcus Di Philippi

CLAUSULO

Clausulo

Ai a cala a tua boca pensamento errante,
Que nasceu um dia, nas ondas do mar.
Cala-te é a hora, é o minuto, o instante,
Em que tudo se cala. Emudecido, hesitante
Todo o mundo pára para até de sonhar.

Ai cala a tua boca pensamento arrogante,
Que nasceu nas auroras e no frio do ar...
Cala que todos se foram, seguiram avante,
Me ficastes só tu, o audacioso gigante,
Perdido nos sonhos e nas ânsias de amar

Ai cala-te logo, bruto, rude, extravagante,
Pensamento débil... Eu me nego a pensar...
A visão se me foi, e eu respiro ofegante,
Todo o sol de perdeu, vaga alheio e distante,
Tudo inspira medo e o maior medo é ficar.

Marcus Di Philippi

THE CHILDREN

The Children

I

Hoje sou dias distantes
Esquecidos sem querer...
E a criança que fui antes
Fez castelos, naus errantes,
Pra eu nunca me perder.

Eram sonhos e os vivi
Tão alheio à semelhança...
Mas, um dia, então cresci,
De repente e me esqueci,
Dos castelos, da criança.

Mas ainda um segredo
É lembrança viva em mim...
Fui criança e fui brinquedo
De mim mesmo, de meu medo,
De crescer e ser assim.

II

Tudo sempre é como o antes,
Flui e reflui - nunca mudou -
Só meus sonhos tão distantes,
De castelos e gigantes,
Ainda vibram no que sou.

E num sentido sem igual,
Essa história lida em mim,
Nunca é boa, nunca é mal,
É simplesmente e, afinal,
O modo como a leio enfim.

E se se perde novamente,
Eu já não sou o que vivi...
Foi só um gesto, de repente,
Uma palavra, e eu, somente,
Nem sei porquê, a escrevi.

Marcus Di Philippi

POESIAS DA SOLIDÃO

Poesias da Solidão

I

Tenho procurado em alguma distância,
Algum indício da criança que fui...
Dias perdidos em sofrimento e ânsia,
A criança que fui morreu na infância
Dessa distância que não se conclui.

E se tento achá-la em tudo, se insisto,
Bem ao longe ouço um choro infantil...
Lágrimas nos olhos, então não resisto,
A criança ainda vive, mas eu onde existo,
Se esta tola infância nunca existiu.

Devo esquecer-me de tudo...Mas enfim
No que deverei esquecer-me afinal?
Se uma lágrima qualquer na noite sem fim
Acordou a criança que não tive em mim
Buscando a infância que não teve igual.

II

Ás vezes creio que não sou quem penso,
Sequer as coisas que escreva ou sinta...
Mas um mar estranho pequeno e imenso
Que em suas águas, ora calmo, ora tenso,
Carrega os sonhos de uma raça extinta.

E onde às vezes um barco navega à calma
De todas as tardes que habitam o mundo...
E a dor que o tange, refreia e espalma,
É a mesma que há no fundo da alma,
Essa alma que há em todo mar profundo.

Mas não sei qual o elo existe entre nós
Que estranha lembrança tornou-o assim
Eu só sei que este mar é um lobo feroz
E uivando nas noites confuso e a sós
Talvez pra esquecer-se procure por mim.


III

O Inverno não chega, em meu quarto a sós,
Passo um inverno inexistente e sem fim...
As folhas caem lá fora, num pranto algoz,
Sinto sons nessas folhas caindo sem voz,
A voz com que calo tanta coisa em mim.

Choverá por esses dias num pranto sem sentido.
Como sinto chover uma chuva que não cai?
Choverá? Sei lá eu já há tanto tem chovido,
Que a chuva que penso não é chuva é um ruído,
E vem do silêncio da lembrança de meu pai.

Há sons... Não há sons, um vazio me invade,
Faz um frio imaginário... não sei se minto
O que sei é que estou só e a as luzes da cidade
Fingem também sentir essa estranha saudade,
Da provável lembrança que não sei e sinto.

Marcus Di Philippi

DESVAIRIO

Desvairio

Em minha cabeça rodopia
Uma certeza incerta,
É o fruto da nostalgia,
De algo que distancia
O não saber e a descobeta.

O que não tive foi deixado
No lugar que não suponho
E o que sonhei foi trocado
Por algo nunca sonhado
Que nem sequer era sonho.

Então não sei o que tive
Neste estranho desvairio
Se em mim já nada vive
Se nenhum sonho mantive
Porque este rodopio?

Marcus Di Philippi

DE MEU PAI

De meu pai

Daquilo que dirás ou não
Não te importes em dizê-lo,
Tuas palavras se perderão
Ou apenas se estenderao
como um fio de novelo.

E assim tu serás somente
A presa do que disseste...
O que se diz, de repente,
Germina e rapidamente,
Transforma o fio em veste.

Ora pois se não quiseres
Viver num fio emaranhado..
Abstenha-te se puderes
Pouco diga ou se preferes,
Melhor que ouças calado.

Marcus Di Philippi

RUMO INCERTO

Rumo incerto

Como uma brasa sufocada
Eu preciso de ar para viver...
Não de um ar que a invada
Mas deste que a chama apagada
Busca em si reascender.

Contrário ao fogo ardente
Que queima a carne consumida,
Busco o amor incandescente
Tão vibrante, tão diferente
Única razão de minha vida.

Embora tudo pareça contrário
Nste universo tão sozinho...
Sei que é apenas necessário
Não ser sozinho nem solitário
Na solidão deste caminho.

Marcus Di Philippi

APRENDIZADO

Aprendizado

A lágrima é como um martelo
Golpeando uma bigorna,
Diz tudo que não revelo,
Extrai de mim o mais belo,
O que não sou ela me torna.

É um fio de água atrevido
Escapado de seu leito.
Adorna o rosto comovido,
Entalha o embrutecido,
Moldando-o a seu jeito

E, como um ferro surrado
E desfigurado por ela,
Apenas quem tem chorado
Quem teve o rosto molhado
É grato a quem o martela.

Marcus Di Philippi

DESERTO

Deserto

Tenho sede como um beduíno,
Indo a esmo pelo deserto,
Debaixo de um sol a pino,
Cansado como um peregrino
E nenhum poço por perto.

Não busco água nem é sede
Que se aquiete ao beber...
Busco o que busco e, vede,
Dentro de mim uma parede
Que não se pode remover.

E esta sede inconformada
Beberá tudo que sou...
Sem deserto e sem jornada,
Serei como água parada
Que o beduíno abandonou.

Marcus Di Philippi

BALLET

Ballet

A dança tão leve na sala
Busca o olhar da criança
A criança tenta imitá-la
E torna a si uma dança.

A música é um doce não ser
A criança é só um olhar
É uma que finge saber
Que a outra sabe dançar.

O ritmo suave que imita
Um estranho não sei o quê
Numa distância infinita
Entre a criança e você.

Marcus Di Philippi

DE UM LAGO

De um lago

I

O lago sorri à distância
Pra eu apenas sentir,
A minha eterna constância
De quase nunca sorrir..

É uma angústia que trago
Numa ilusão que persigo
O galho morto no lago,
E o lago morto comigo.

O galho é só a lembrança
Tristeza que o lago tem...
Eu já não sou esperança,
Nunca fui sombra à niguem.

II

A pedra que afunda no lago
é de certo mais profunda
Que o geometrismo vago
Do lago onde ela afunda

E saberá certamente mais
Que o lago onde é afundada
Pois ambos só são iguais
No porquê de ser jogada.

E se o lago não perceber
A pedra que nele habita
Sera lago sem saber
Que ele apenas a imita.

Marcus Di Philippi

ALEGORIA

Alegoria

O sol frio, desesperador,
Das manhâs de inverno,
Desperta em mim a dor,
A dor de não ser eterno.

E a eternidade faz doer
Sem nenhuma compaixão,
Não pela busca do saber
Mas de viver sem razão.

E nessa inútil alegoria
Das manhãs que nunca vêem,
Uma existência mais fria
Que o inverno que elas tem.

Marcus Di Philippi

EM TARDE SER

Em Tarde Ser

O que tenho é emprestado
Eu nada tenho de meu
De meu é só um estado
Do homem que não sou eu

E se ao enterder-me falhe
O pouco que de mim sei
Me perderei num detalhe
Das partes que me tornei

E se tudo é vago, difuso
Em não saber o que sou
Devolvo ao traje que uso
A vida que me emprestou

Marcus Di Philippi

TANGÊNCIA

Tangência

Entre o nascer e a morte
A minha vida é um lenho,
Guiado ao rumo da sorte
Do mar bravio que tenho.

O lenho é só a vontade
De coisa não alcançada,
A inalcançável verdade
Dentro de mim formulada.

E tudo é só um momento
Rapidamente se esquece,
No lenho do esquecimento
Quando em mim anoitece.

Marcus Di Philippi

ABANDONO

Abandono

Minha mente está tão longe.
É distante o que sou dela.
Ela me vê como um monge,
E eu a tornei minha cela.

E, como criança assustada,
Tão tristemente sozinha,
Assim perdeu-se a coitada,
Sequer percebe que é minha.

E os dias se passam assim,
Como se eu fosse ninguém,
Pois ela não sabe de mim,
E eu fui ser outro alguém.

Marcus Di Philippi

CONJECTURAS

Conjecturas

O que diz a minha boca
Não é aquilo que penso,
Toda palavra é pouca
E não dizê-la é imenso.

E se minha boca não diz
Aquilo que eu imagino,
Ela apenas se contradiz
E eu não a determino.

Assim eu apenas me calo
Onde só posso sentir,
Direi sem pronunciá-lo
E me escutarás sem ouvir.

Marcus Di Philippi

OBLÍQUO

Oblíquo

O vento na tarde sussurra,
Na brisa morna e mansa,
Que meu coração me empurra
Pra onde ele não alcança.

E, como a tarde, ele sente,
No vento que se perdeu,
Minha presença ausente
Na brisa que não sou eu.

E numa alegoria esparsa
De coisas que não serão,
O meu coração se disfarça
Em não ser meu coração.

Marcus Di Philippi

ESTIAGEM

Estiagem

A tempestade quando parou
Deixou na terra uma mágoa,
É uma marca que ficou
Ali, Presa na poça d'água.

E a gente não adivinha
Olhando a água tão turva,
Que a dor de ser sozinha
Ficou na poça sem chuva.

E é uma angústia exiliada
Que faz tudo se comover,
A poça, filha da enxurrada,
Só vê a mãe quando chover.

Marcus Di Philippi



No silêncio de mim escuto,
Uma agonia principiada,
Vestida de um medo bruto
Que a torna apenas calada.

Lateja como se as veias
Que fazem meu corpo rio,
Estivessem plenas e cheias
De algo apenas vazio.

Nada se diz mas eu penso
Em tudo que não é dito,
Que o medo rude e intenso
Tornou meu silêncio um grito.

Marcus Di Philippi

PLANTIO

Plantio

Nunca é somente um tal labor
Nem a semente deitada ao chão
Que faz o homem ser senhor
Do que se torna a plantação.

Nunca é a foice, nem a enxada
Que tudo renova no seu corte
E que faz a vida replantada
Quando à mesma surge a morte

Mas é o ardor deste trabalho
Que leva o pão à mesa, à casa
Que cria um rito, nunca falho,
Da semente morta em cova rasa

Marcus Di Philippi

TRANSIÇÃO

Transição

A minha alma é intagível
Naquilo que sei dela,
Faz-me querer o impossível
Só por ser assim tão bela.

Eu sou o que não pareço
Nela por dentro de mim,
Como o difícil recomeço
De tudo que é sempre fim.

E se somos então os dois
Apenas um e nada mais,
Que coisas virão depois
Se somente serão iguais.

Marcus Di Philippi

POR DO SOL

Por do Sol

Meu pensamento sempre voa
Não por um motivo preciso,
Ele Apenas se lança à toa
Porque é vago e indeciso.

Mas há um lugar eu sei
Onde ele pretende chegar,
Este lugar eu mesmo criei
E foi isso que o fez voar.

E um dia estou bem certo
As suas asas o levarão,
Nós dois iremos, decerto
E os outros não saberão.

Marcus Di Philippi

FINGIMENTO

Fingimento

Muita coisa em nós existe
De uma forma ignorada,
E este mistério consiste
Em ouvir a voz que existe
E mantê-la segredada.

O dia que vem distante
É o mesmo que já passou...
Um é sempre constante
E o outro o mero instante
Que nunca veio ou ficou.

Assim igualmente o somos
Não ficamos em nada enfim
E aquilo que nunca fomos
São os dias que expomos
Pra que nos vejam assim.

Marcus Di Philippi

INDEFINIÇÃO

Indefinição

Eu Tenho medo de não ter medo
De tudo que é medo em mim,
Como as sombras do arvoredo
Que esconde flores no jardim.

Como o subterrâneo ignorado
Tão profundo e sem saber,
Da flor que eu tinha plantado
E que a sombra não deixa ver.

E este medo me assombra
Na noite esquecida e calma,
Como o arvoredo sem sombra
Dos jardins da minha alma.

Marcus Di Philippi

DISSABOR

Dissabor

Tenho no peito um disabor
Não é constante, não tem pausa
Não tem de fato um causador
Apenas dói e não tem causa.

Procuro em vão uma reposta
Mas minha mente tão cansada
É fragil, tola, tão exposta
Assim a fez a dor causada.

Virá um dia, assim o creio,
Que nada disso me causasse
A dor que brota em meu peito
Explode, escorre pela face.

Marcus Di Philippi

PERDIDAMENTE

Perdidamente

A noite sempre segredou-me
Aquilo em mim já escutado,
Um pouco apenas, só um nome
Tão duramente segredado.

Então me fiz de revoada
Que faz o tempo sempre cego,
Que voa em voz silenciada
No mesmo nome que carrego.

É intolerável que o mundo
Seja uma coisa que eu suponha,
O não sonhar é tão profundo
Por isso o mundo não me sonha.

Marcus Di Philippi

TENDE COMPAIXÃO

Compaixão

Tende compaixão por quem sofre
E numa agonia inconcebida
Revela sua dor como um cofre
Aberto ao longo da vida.

Tende compaixão por quem grita
E em seu silêncio assustado
Procura um remédio à aflita
Dor que o fez ter gritado.

Tende compaixão por quem vive
Pois viver é uma imensa dor
É a porta aberta do esquife
Que não ouve nenhum clamor.

Marcus Di Philippi

ALAÚDE

Alaúde

Vem do som do alaúde
Certa coisa que ouvi
Que tão rápida não pude
Perceber o que senti.

Eu não sei quem o tocou
Ou se apenas fui tocado
Por aquilo que pensou
O alaúde do meu lado.

Ou se só no esquecimento
Eu não tenha percebido
A incerteza do momento
De eu nada ter ouvido.

Marcus Di Philippi

RELICÁRIO

Relicário

Repentino, súbito e leve
O meu pensamento calado
Já pouco sabe e não deve
Saber porque fui pensado.

Em tudo que ele condensa
Sou uma idéia tão fina
Que ele não viu como pensa
Só acha que a imagina.

Assim ele nunca me vê
Então atrevo-me a achar
Que ainda o tenho porque
A nada consigo deixar.

Marcus Di Philippi

FRAGILIDADE

Fragilidade

O mar que eu tanto temo
Também tem igual temor
é apenas no meu extremo
Um misto de sonho e dor

Me diz do medo que tem
Fingindo que eu soubesse
Eu creio dizê-lo também
Como se nunca o tivesse

Imagina que não o vejo
Tentando não me olhar
Como se fosse um desejo
Fingindo que não é mar.

Marcus Di Philippi

O RIO

O Rio

lá embaixo segue um rio
Eu não sei onde me leva...
Mesmo assim eu pressagio,
Na correnteza, um desafio
Que ele cala e me observa.

A tarde, um manto sombrio,
Se abate sobre tudo..
As aguas gemem, desconfio
Que, como um velho doentio,
Fiz meu rio ficar mudo...

Tudo é triste, um calafrio
Me percorre... Já não sei...
Arde em chamas o plantio
De meus sonhos, sou vazio
Morto no rio que criei

Marcus Di Philippi

MAROLHAR

Marolhar

Há no mar que vejo,
Não, de certo, o mar,
Mas talvez o desejo
De esquecer e navegar.

É como se eu pudesse,
Ao lembrá-lo em mim,
Ouvir quando anoitece
E tantas coisas enfim.

E é como se ele fosse,
Na lembrança que ficou,
O homem que tornou-se
Esse mar que hoje sou.

Marcus Di Philippi

HORIZONTE MORTO

Horizonte morto

Tão longe cantam, quando ouço
Sinto-me a música tão tristonha...
Um amor perdido, um calabouço,
E a voz desenha, num esboço,
Alguém que chora, finge e sonha.

E se de tão longe ouço cantar
Não sendo voz o que ouvi...
Se foi somente de o pensar
E se me recordo por lembrar
Que foi então que eu esqueci?

Assim não sei, sequer o tento,
Não sou a música nem o ouvir...
Talvez eu seja o esquecimento
Um amor perdido em um momento
Más que jamais pode existir.

Marcus Di Philippi

...À NOITE

"A poesia pertence ao poeta até o momento em que é escrita,
a partir dai ela pertence a quem lê"
Ibrahim Ibiza


À noite

Tu que escutas as estrelas e conhece
Aquilo que o meu coração não fala,
A quem o mundo diz, quando anoitece,
Em poesias que jamais se esquece,
A minha estranha dor em escutá-la.

Tu que vês como se a nada olhasse
E mais além do que sequer exista...
Que és o elo, ao que morre e nasce,
E as lágrimas que rolam pela face
Das mãos suaves de algum artista.

Oh! Tu, que enfim, silenciosamente,
Fala-me coisas que eu jamais saberia...
Ensina-me a ser como tu, simplesmente,
Que ouvir-te-ei calado e atentamente
Pra ser não o poeta e sim a poesia

Marcus Di Philippi

FOLHA MORTA

"A poesia pertence ao poeta até o momento em que é escrita,
a partir dai ela pertence a quem lê"
Ibrahim Ibiza


Folha Morta

Já não falo de mim, já não importa
E eu somente falaria sem falar...
Invejo-te completamente, folha morta
Trazes consigo a dor que te conforta
E eu minha total ausencia de estar.

E não é o fato de perder-me em tudo
Que faz nossa existencia assemelhada,
Sinto-te e no sentir calado e mudo
Faço de ti o meu proprio estudo
Sendo apenas eu a matéria estudada.

E nesse estado de coisas, imagino,
Que tudo isso não podia ser assim...
Tu nunca fostes o objeto que examino
Mas a lembrança, o choro repentino
De uma outra folha que existe em mim.

Marcus Di Philippi

SILÊNCIO

Silêncio

Tão tristemente a tarde
Na voz de um sino repica,
Um sentimento, a saudade
Não esta que a tudo invade
E sim do sino a que fica.

Como em versos não ditos
Um silencio, tarde escura...
No som repleto de gritos
Dias perdidos, conflitos
É o sino que me procura.

Mas não acha ele a mim
Não estou em me achar..
E no som que não terá fim
A tarde se fez de mim
Só pra o sino a procurar.

Marcus Di Philippi

QUIETUDE

"...Cada átomo, feliz ou miserável, gira enamorado en torno do sol."
Jelaluddin Rumi (1207 - 1273)

Quietude

Sou apenas um pensamento
Perdido na infinitude...
Trancado no isolamento,
olhando o dia cinzento,
Daquilo que nunca pude.

Como água sem movimento
Deixada em algum açude
Perdi-me no esquecimento
No vão e vil desalento
Da hora morta, a quietude.

E como simples instrumento
De uma vida tão rude...
Eu só queria um momento
A brisa, a flor e o vento
Um algo que a tudo mude.


Marcus Di Philippi

IN CERTO

"... e porque afinal, um dia, todas as coisas e homens
terão um único sentido..."

In Certo

Pela janela entreaberta
O que fui se escapou.
Se o foi em hora incerta
Deixou fria e deserta
A casa homem que sou.

Não o vi quando se ia
E não sei se vai voltar.
Madrugada, noite fria
Sou minha casa vazia
Onde "Eu" não quis morar.

Todo longe faz-se perto
A distancia é nao ser...
O sol a pino, o deserto,
Fiz de mim o rumo incerto
Muito longe de o saber.

Marcus Di Philippi

UM POUCO, NADA MAIS...

"A poesia é o modo pelo qual se diz sem palavras o que gostaríamos de ouvir sem ser dito."
Ibrahim Ibiza

Um pouco, nada mais...

Como os sentidos são falhos
Naquilo que tenho sentido
São como colcha em retalhos
De eu em mim distribuido.

Conquanto que não o saiba
Eu em colcha transformado
Não percebo em que me caiba
Estar eu nela costurado.

A tristeza não é sentida
É quase que um ato de fé
É a morte em plena vida
Nunca se escolhe, se o é.

Marcus Di Philippi

VENTO DO NORTE

"Seu nome está em minha língua, sua imagem em minha visão, sua memória em meu coração.
Para onde vou mandar estas palavras que escrevo?"
Jelaluddin Rumi (1207-1273)

Vento do Norte

Em meu coração dormita
Distante o vento do norte
É nele minha alma aflita
É ela que o torna forte

E o vento diz-me a toa
Na voz que nele murmura
Que minha alma só é boa
por insistir na procura

Então partindo sossega
Já não busca me procurar
Apenas se vai e carrega
Minha alma e seu dormitar.

Marcus Di Philippi

AUSENTA-ME

"Palavras tenras nós falamos Um ao outro. São seladas nos cofres secretos do céu.
Um dia, assim como a chuva, elas cairão à terra e crescerão verdes pelo mundo inteiro."
Jelaluddin Rumi (1207-1273)


Ausenta-me

Em minha solidão ausente
Completamente povoada,
Eu não sou apenas gente
Eu sou tudo o que me sente
E afinal não sou nada.

O que sinto não é claro
Nem fácil de o descrever.
Comigo mesmo me deparo
E quase sempre, não raro,
Não sei o que me dizer.

E como um simples arremedo
Do que não sei definir,
Eu em rimas me excedo
Pra esconder o segredo
Que não saberei dividir.

Marcus Di Philippi

LAÇOS

A natureza é o que Deus cria como Deus, a Arte é o que Deus cria como homem”.
nayat Khan

Laços

A vida nunca tornou-se
Minha única companheira.
E embora ela o fosse,
Não o fora por inteira.

Um algo assim diferente
De senti-la ou de ser,
Tornou a mim de repente
O meu sentido de viver.

E assim nessa fogueira
Do que fiz-me escuridão,
A tomei por prisioneira
Pra não ser a escravidão.

Marcus Di Philippi

SOLIDÃO

"Qualquer idéia que te agrade, Por isso mesmo... é tua. O autor nada mais fez que vestir a verdade que dentro em ti se achava inteiramente nua..."
Mário Quintana

Solidão

Minha alma quer esquecer
As coisas que não sabe...
Pois na falta de o saber
Ela tenta não sofrer
Para que assim se acabe.

Quando é noite ela espia
No meu leito eu dormindo.
Mas o sono que ela queria
Perdeu-se durante o dia
Quando viu a noite vindo.

Eu além dela não conheço
Noutra coisa uma razão...
E quando às vezes adormeço
Eu me torno o endereço
Pra quem busca a solidão.

Marcus Di Philippi

CAMINHO

"Existem duas classes de escitores na arte da poesia. A primeira é a dos que fazem versos e a segunda é a dos que amam intensivamente. Existem duas classes de leitores..."
Ibrahim Ibiza

Caminho

É só uma estrada perdida
Que leva pra além do mar...
E por não ser conhecida
A gente tão distraida
Não a pode encontrar.

Quem a procura decerto
Muito mais que procurar
Deve buscá-la mais perto
Terá que ser descoberto
E se perder para achar.

Não é somente a estrada
O que se busca então...
É outra coisa buscada
Que não é mar não é nada
É apenas o coração.

Marcus Di Philippi

NUM CANTO

Num Canto

Terei que esquecer a mim
Em algum canto esquecido
Pra me confundirem assim
Com quase nada parecido

E se puderem não ver-me
Um tanto melhor
Somente busco abster-me
De conhecer-me de cor

Mas se não puderes saber
O que é estar perdido
Eu não me farei entender
E tu não terás sabido

Marcus Di Philippi

NUM INSTANTE

Num instante

Ah, é só um barco no rio
Que esqueceu-se de remar...
E sonhava em ser navio
No rio que não era mar.

E se o rio mar não fosse
Ele barco não iria ser
Que no remanso da água doce
Só remava pra esquecer.

Tornou-se então o dilema
Do rio mar que não era
Como barco que não rema
Em navio que não espera.

Marcus Di Philippi

ABSTINÊNCIA

Abstinência

No fim da rua deserta
Dá vontade de morrer.
Não de uma morte incerta
Mas desta que desperta
A ausência de viver

Porque a rua executa
Numa prece ou coisa assim,
Com precisão absoluta
De quem não fala, escuta
Muito lá dentro em mim.

É como se ela tivesse
Uma alma dentro de si,
E quando falasse em prece
Dissesse ou nada dissesse
Daquilo que de mim ouvi.

Marcus Di Philippi

PARA JOÃO

PARA JOÃO
(Quando da morte da criança João Hélio, brutalmente assassinado)

Hoje tu não mais sorris
A boca não te obedece...
E por obra de atos vis
Já não podes ser feliz...
Apenas dorme e esquece.

Somente durma calado,
No leito que te embala.
Se fúnebre ou perfumado
Certamente será ornado
Por tua pureza sem fala.

Apenas dorme tranquilo
Que velaremos por ti...
E assim Deus vai ouvi-lo
E depois de muito segui-lo,
Te dirá: - Estou aqui.

Marcus Di Philippi

VASTIDÃO

Vastidão

Um lugarejo esquecido
Não é onde tudo se acabe...
Mas é um sonho perdido
Profundo e adormecido
Que tu o tens e nao sabe.

É como uma ilha deserta
Que nunca soube de si...
E não poderá ser liberta
Porque não a ves encoberta
Pelo mar que há em ti.

Mas se apenas um momento
Tu puderes se lembrar,
Se perderes o esquecimento
Acharás teu seguimento
Além da ilha e do mar.

Marcus Di Philippi

VENDAVAL DE FOGO LENTO

"A sombra do cedro se alonga ao sol poente,... mas não se separa nunca do tronco que a produz. Assim minha lembrança não se afastará..."
Sacuntala De Calidasa

Vendaval de fogo lento

A minha alma quer chover
Em meio à terra molhada.
Quer ser dança, se esquecer
Quer ser água e se perder
No percurso da enxurrada

Como é louca esta certeza
Que faz a vida desaguada
Enche os dias de tristeza
Desemboca em correnteza
E faz a alma acorrentada

Mas no vão esquecimento
De apenas quem sou agora
Vou me tornar sopro de vento
Um Vendaval de fogo lento
Na chuva que não demora.

Marcus Di Philippi

DIAVAGO

"Para as amarguras da alma não existe paliativo melhor que o da esperança..."
Sacuntala de Calidasa

Diavago

Todo solitário aprende
O que a solidão lhe ensina
Mas só se a ela se rende
É que enfim compreende
O todo que a determina.

Porque a solidão se passa
Num sentido absoluto...
É como fogo em vidraça
Não só reflete a fumaça
Mas também o seu produto.

É dessa esperança morta
Que nos tornamos refém...
Ela é uma espada que corta
E ao mesmo tempo conforta
A lembrança que se tem.

Marcus Di Philippi

ETERNAMENTE

"Se quiseres guardar uma lembrança de mim, não me leia. Observe os raios de sol despedindo-se comovidamente ao cair da tarde. Isso te bastará."
Ibrahim Ibiza - "Solilóquios"

Eternamente

O silêncio vago inspira
Um não sei quê na distância...
Música perdida, a lira
Em meio à chamas, a pira,
Perfume suave, fragância.

O vazio é magro, é fundo,
Suavemente indistinto,
É sono leve e profundo,
Asas cansadas, o mundo
Na taça de vinho tinto.

O silêncio, o sono, a vida,
Cristais partidos, o nada.
Um coro de voz comovida,
A ave que voa esquecida,
Em busca da alvorada.

Marcus Di Philippi

PRA QUE TÍTULO

"Prepara-te para partir, coração, pois seu nome foi pronunciado com a alvorada.
Que os outros fiquem se quiserem, tu por ninguém aguardes!"
RABINDRANATH TAGORE

Pra que título

Meus pés são a estrada
Perdidos, sem direção.
Onde a música cantada
É somente a caminhada
Entoada e sem refrão.

Se um dia foi povoada
Hoje é apenas solidão...
É uma lágrima calada,
Acordada em hora errada
Assustada e sem razão.

É uma sede desesperada,
De dor sem lamentação,
É somente a face molhada,
De pés mortos na jornada,
Não faz parte da canção.

Marcus Di Philippi